A misericórdia חֶסֶד (hesed) no Tanach (A.T.)

                          “Misericordioso e compassivo é o Senhor, tardio em irar-se de grande misericórdia”  Salmo 145:8


Definindo o termo hesed no Tanach

 

O termo hebraico – hesed, segundo o dicionário Strong significa: bondade, benignidade, fidelidade (STRONG. James, 2002. p.341). Durante séculos a palavra hesed foi traduzida por palavras como misericórdia, bondade, amor. A Septuaginta (LXX – tradução judaica do Tanach em grego) geralmente utiliza eleos, e o latim, misericórdia. Misericórdia é um sentimento de compaixão, despertado pela desgraça ou pela miséria alheia. A psicologia moderna chama de empatia – a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, ou como dizia o psicólogo Carl Rogers: “ser empático é ver o mundo com os olhos do outro e não ver o nosso mundo refletido nos olhos dele”.

A tradução para misericórdia tem sua origem no latim, e é formada pela junção de miserere (ter compaixão), e cordis (coração). “Ter compaixão do coração”, significa ter capacidade de sentir aquilo que a outra pessoa sente, aproximar seus sentimentos dos sentimentos de alguém, se colocar no lugar do outro, enfim ser solidário com as pessoas.

O vocábulo hesed (misericórdia, bondade, fidelidade) aparece cerca de 246 vezes no Tanach, praticamente a metade está no livro dos Salmos, 32x ocorre como adjetivo, mas, principalmente como substantivo, indicando aquele cujo viver é de acordo com os princípios da misericórdia divina – o hesed. A palavra é usada duas vezes em relação ao próprio Deus como bondoso: “Proferirão abundantemente a memória da tua grande bondade, e cantarão a tua justiça” e fiel: “Vai, pois, e apregoa estas palavras para o lado norte, e dize: Volta, ó rebelde Israel, diz o Senhor, e não farei cair a minha ira sobre ti; porque misericordioso sou, diz o Senhor, e não conservarei para sempre a minha ira” (Sl.145:7; Jr.3:12), (VANGEMEREN, Willem A. (org.), Vl. 2, 2011, p.209).

Cabe destacar que seu uso é apresentado numa relação tanto entre os homens quanto entre Deus e os homens. Vejamos uma definição e uso de hesed: O conceito de fidelidade, amor imutável, ou, de forma mais geral, bondade, representado por hesed, apresenta um aspecto fortemente relacional, que é essencial a qualquer definição apropriada do termo. E empregado, geralmente, para expressar as atitudes e o comportamento dos homens no relacionamento mútuo, mas descreve, mais frequentemente, a disposição e as ações beneficentes de Deus para com o fiel, Israel, seu povo, e para com a humanidade em geral. A expressão “a bondade do Senhor/Deus”, como ocorre em 1 Samuel 20:14: “E, se eu então ainda viver, porventura não usarás comigo da beneficência [hesed] do Senhor, para que não morra?”; e 2 Samuel 9:3: “E disse o rei: Não há ainda alguém da casa de Saul para que eu use com ele da benevolência [hesed] de Deus? Então disse Ziba ao rei: Ainda há um filho de Jônatas, aleijado de ambos os pés”, representa, pelo menos formalmente, uma intersecção entre esses dois planos do hesed humano e divino (VANGEMEREN, Willem A. (org.), 2011, p.209).

           

A importância do termo misericórdia nos textos do Tanach

 

tanach

Passemos a considerar os textos das Escrituras (A.T.) que trazem o vocábulo hesed – misericórdia, bondade, fidelidade em seus mais variados usos e significados, demonstrando assim sua importância no texto bíblico do Tanach.

Geralmente revelado nas amizades como em 1 Samuel 20:8, em que Davi lembra Jônatas da necessidade de permanecer fiel a ele de acordo com o pacto que selaram: “usa, pois de misericórdia para com o teu servo, porque lhe fizeste entrar contigo em aliança no Senhor.”

O que Deus espera dos homens?

 

A divindade dá maior importância ao hesed do que ao sacrifício: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade [hesed], e andes humildemente com o teu Deus?” (Mq.6:8). Os que observam esse padrão são homens de hesed (cf. Is.57:1; Pv.11:17); além disso, a prática de hesed tem a aprovação de Deus e dos homens: “Não te desamparem a benignidade [hesed] e a fidelidade [emet]; ata-as ao teu pescoço; escreve-as na tábua do teu coração. 4. E acharás graça [hen] e bom entendimento aos olhos de Deus e do homem” (Pv:3:3-4).

Os escritores bíblicos apresentam a fragilidade da vida. A vida está em perigo por ameaças apresentadas pelas calamidades da natureza, pela hostilidade dos inimigos, e pela fraqueza da própria pessoa. Os mesmos escritores, representando a humanidade necessitada,  clamam a Deus para salvá-los por sua misericórdia. Em Gênesis 19:19, Ló fala com gratidão da misericórdia dos três homens – um dos quais é identificado como Adonai (YHWH) – ao salvarem sua vida da destruição, juntamente com o povo de Sodoma. Podemos identificar essa relação nos Salmos: “Se não fora o auxílio do Senhor, já a minha alma estaria na região do silêncio. Quando eu digo: Resvala-me o pé, a tua benignidade [hesed], Senhor, me sustém”, Salmo (94:17-18) e “E, por tua misericórdia, dá cabo dos meus inimigos e destrói todos os que me atribulam a alma: pois sou teu servo” (Sl.143:12).

           

A misericórdia (hesed) divina sustenta a vida

 

Mesmo quando a morte está diante do crente da aliança: “Pois na morte não há recordação de ti; no sepulcro quem te dará louvor? (Sl.6:5).

O hesed sustenta a vida:

– “Volta-te, Senhor, e livra minha alma; salva-me, por tua graça [hesed]” (Sl.6:4).

No Salmo 119 encontramos o hesed como sustentáculo da vida:

– “Vivifica-me segundo a tua misericórdia; e guardarei os testemunhos oriundos da tua boca” (Sl.119:88);

– “Ouve, Senhor, a minha voz, segundo a tua bondade (esed); vivifica- me, segundo os teus juízos” (119:149);

– “Considera em como amo os teus preceitos; vivifica-me, ó Senhor, segundo a tua bondade (hesed)” (119:159).

 

A misericórdia de Deus é eterna

 

A misericórdia divina é apresentada como eterna em alguns textos bíblicos.

Por exemplo:

– “Porque os montes se retirarão, e os outeiros serão removidos; mas a minha misericórdia não se apartará de ti” (Is.54:10);

–  “Com amor eterno te amei, por isso com benignidade (hesed) te atraí” (Jr. 31:3).         Nos Salmos, a misericórdia também é apresentada como eternal.

– “Lembra-te, Senhor, das tuas misericórdias e das tuas benignidades, porque são desde a eternidade” (Salmo 25:6). (Conf. Salmos 89:2-3, 28-29, 33-34; 103:17; 117:2; 138:8).

O hesed e o perdão divino

 

O perdão divino está intrinsecamente ligado à misericórdia de Deus. Baseado nesse conceito que Moisés intercede em favor de Israel, após o pecado do povo sobre o relatório dos espias. Vale a pena destacar que Moisés cita o Senhor para o próprio Senhor, vejamos: “Agora, pois, rogo-te que a força do meu Senhor se engrandeça, como tens falado, dizendo: O Senhor é longânimo, e grande em misericórdia, que perdoa a iniquidade e a transgressão, ainda que não inocenta o culpado… Perdoa, pois, a iniquidade desse povo, segundo a grandeza da tua misericórdia” (Nm.14:17-19).

Certos apelos para perdão encorajam o ponto de vista de que Deus pode escolher entre se lembrar do pecado ou de sua misericórdia, mas não de ambos (Salmos 25:7; 51:1,3). Livramentos são baseados tipicamente na misericórdia do Senhor (Ne.13:22; Salmos 6:4; 44:26; 109:21,26; 119:149). Finalmente, o salmista reconhece que o adorador da aliança só estará no templo de Deus, pela misericórdia divina: “Porém, eu entrarei em tua casa pela grandeza da tua benignidade [hesed]; e em teu temor me inclinarei para o teu santo templo” (Sl.5:7).



Por Alexandre B. Dutra
Pastor, Bacharel em Teologia, Mestre em Letras - Estudos Judaicos (USP), Diretor dos Amigos de Sião e Professor [convidado] do Instituto Tzadik BaEmunah 05/08/2020
 

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